Volto ao tema que inspirou o blog: a dura tarefa de transformar em texto as ideias, coordená-las e extrair o sentido e sentimento que inspiram a produção textual.
Como fui "criado" na seara jurídica não tenho como deixar de articular os elementos desta reflexão com aqueles que operam na dinâmica ensino-aprendizado no âmbito do Direito. Ainda assim, a base para o pensamento acerca da (dura) tarefa de "compor" não está no Direito, mas fora dele, e, goste-se ou não disso, tem inequívocas raízes políticas.
O primeiro passo na construção consiste em "ter uma ideia". Do que "falar", por que "falar" e para quem "falar", adverte Gustavo Bernardo, são antecedentes ao "como falar"!
Os manuais jurídicos, infelizmente, revelam-se em sua grande maioria verdadeiros cemitérios de ideias. Não se trata, em regra, da sempre difícil síntese de doutrinas e teorias, mas da simplificação aparente daquilo que, em essência, não é simplificável, o que não significa que não possa ser explicado e compreendido.
Toda linguagem, todavia, vale-se de um discurso que tem em seu alicerce determinada filosofia, ou maneira de ver as coisas, que sempre reclama outra(s) forma(s) de encarar o mesmo objeto!
A supressão dos argumentos, dos fundamentos e da filosofia que configura o eixo/estrutura de determinado objeto, a respeito do qual se pretende "escrever", não tem o poder de fazer desaparecerem as condições de possibilidade deste objeto! O desconhecimento dessas condições é uma espécie de ignorância (cegueira) que inviabiliza refletir sobre o objeto e até apreender seu sentido (ou construi-lo competentemente).
Assim, se eu não conheço o assunto de que "falo", como posso pretender explicá-lo?
Daí que à simplicidade de determinadas "explicações" dos manuais não corresponda à segurança pessoal na identificação e solução de problemas concretos pelo leitor! Pelo que se vê, somente os autores deste tipo de manual beneficiam-se da sua extraordinária difusão e as vantagens não são de outra ordem que econômicas.
O citado Gustavo Bernardo, que escreve sobre o ato de produzir um texto (Redação Inquieta, Rocco, 2010), adverte para o equivalente no ensino médio e fundamental aos nossos manuais (em sua maioria, sublinho), o livro didático:
"Temo que o livro didático venha representando um tiro no próprio pé da educação. Seu inegável sucesso a partir dos anos 60 do século passado (não por acaso, a partir da ditadura militar) se acompanha, o que não é coincidência, da desqualificação salarial e moral do professor. Ao mesmo tempo, a difusão oficial do livro didático... serviu de pretexto para o desaparecimento das bibliotecas escolares. Em consequência, a longo prazo o livro didático mostra-se responsável por sufocar os demais livros e, assim, pelo desestímulo da leitura."
Não é preciso ser genial para compreender que as ideias não são fruto de geração espontânea! A leitura é imprecindível, não somente para que se saiba escrever, mas para que se saiba do que escrever. Se o conhecimento constitui uma enorme edificação para a qual cada um de nós contribui com sua medida de tijolos, massa, cálculos e projeções, conhecer o "plano geral da obra" (a filosofia na base do objeto da "fala") é essencial.
Bem, isso exige suor em proporção sempre maior que o talento. Em outras palavras: quanto maior o talento (a inspiração etc.), mais esforço é demandado. Não há, porém, nível algum de isenção de suor na tarefa difícil, mas ao mesmo tempo prazerosa de escrever.
Nos próximos posts compartilharei minha leitura particular de Os Físicos, de Dürrenmatt. O encantamento com a obra, o prazer de desfrutá-la, é ainda maior quando nos damos conta do suor emprestado à inspiração (ou será o contrário?).
Bom dia!
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