quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Aos formandos em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


Caros afilhados: Steve Jobs, em seu conhecido discurso aos formandos de Stanford, buscou em sua vitoriosa trajetória iluminar alguns marcos representativos da experiência de vida comum aos que encerram um ciclo importante e simultaneamente se preparam para dar os primeiros passos em uma estrada desconhecida e em alguma medida assustadora, mas também repleta de desafios.
À perplexidade dos que completam a graduação e se despedem do conforto da Universidade, ainda sem saber se de fato estão prontos para encarar as adversidades da vida profissional, o criador da Apple ofereceu seu próprio exemplo... alguém que consumira a poupança paterna em um curso universitário pouco ou nada inspirador, abandonado logo no primeiro semestre.
Jobs, no entanto, fez ver que aquilo que pode ser a fonte de nossas preocupações e problemas pode por igual ser transformado em força criadora, libertadora, em motivação, e ser capaz de constituir a nossa identidade de forma positiva. A liberdade conquistada pelo "abandono do curso" foi usufruída no próprio ambiente universitário, em atividades acadêmicas interessantes para o então ex-aluno, conjunto de práticas que anos depois serviriam ao propósito de criar programas de computador admirados por todo mundo. 
Não era nisso, porém, que Jobs pensava ao fazer a escolha, sempre no limite, entre seguir o currículo formal da universidade ou seguir sua própria intuição. Ele simplesmente procurou o que o sensibilizava e mergulhou fundo nisso, sem indagar previamente acerca do resultado de seu esforço.
É compreensível que o gênio dele não cedesse à tentação de se supor apto a definir rigidamente o próprio futuro.
A ninguém é dado conhecer por antecipação - e controlar - os fatos do seu destino! O receio maior dos formandos vem daí: a impossibilidade de saber se estão ou não fazendo boas escolhas. Se serão ou não felizes nas carreiras jurídicas.
Somente o olhar retrospectivo, às vezes décadas depois, nos habilita a julgar os acertos e erros implícitos  em nossas eleições, mas a lição do discurso aos formandos de Stanford está em que se deve buscar aquilo em que se acredita, empenhar-se duramente em fazer o melhor e, na maior medida possível, encontrar prazer nisso.
Claro... à maioria da população nega-se o direito de frequentar uma escola de alto nível - como Stanford ou a UFRJ. São poucos, especialmente entre nós, os que estão em condições de cursar uma "Faculdade Nacional de Direito", e menos ainda aqueles que, tendo optado por isso, conseguem completar o curso desviando-se de algumas aulas extremamente enfadonhas, como as de Processo Penal, para dedicar-se ao que lhes toca e anima!
Trata-se, evidentemente, de uma elite e se há algo que salta aos olhos na "fala empreendedora" de Steve Jobs é que, de alguma maneira, ele se dirige a poucos e não a muitos, menos ainda a todos.
Claro que isso não diminui o brilho da lição. Fica-se, no entanto, com a certeza de que um mundo repleto de pessoas que escolhem o melhor para si próprias necessariamente não será um mundo melhor para todos!
Outro professor e outra lição. 
Zigmunt Bauman, falando dos episódios dramáticos de 2011, na periferia de Londres, envolvendo jovens desempregados e desiludidos, consumidores frustrados cansados da exclusão, que manifestaram sua revolta de forma difusa, incendiando lojas, destruindo carros, roubando roupas e calçados de marca, sublinha que há hoje uma geração que sequer se pergunta sobre o futuro, que não tem mais certeza de estar empregada após a conclusão do curso superior. 
Aliás, trata-se de uma geração que não tem mais certeza de nada, que teve o seu presente hipotecado por pais e avós que ignoraram os limites éticos e exauriram as riquezas e energias deste planeta em busca de lucro e conforto desigualmente distribuídos,  como se não houvesse futuro.
São pessoas que vivem em um mundo em que Poder e Política divorciaram-se. A possibilidade de se fazer algo - o Poder - não encontra na Política o gerenciamento das forças produtivas em benefício da comunidade. Mesmo a ideia de comunidade está sacrificada no altar do individualismo possessivo. Celebra-se isso e o exemplo maior reside em as pessoas serem "celebridades", cuja vida "privada" a todos pertence, como se habitássemos um permanente reality show.
Para Bauman, sem querer investir-se em dotes de adivinhação, a desesperança e o medo podem ser superados pela recuperação da dimensão política da vida social e pelo sentido de comunidade planetária, compartilhando benefícios, esforços e sofrimento.
Desde 2004 a Faculdade Nacional de Direito busca formar seus estudantes, professores e técnicos a partir deste ideal, pautando o curso jurídico na produção democrática do conhecimento, para a qual todos os agentes do processo educacional contribuem e em virtude do que todos devem ser respeitados.
Não deve haver uma hierarquia no âmbito acadêmico, em termos de produção de conhecimento, porque o saber desconhece limites formais, como destacou Jobs. Há de existir sim uma comunidade de conhecimento, cuja ação prestigia, claro, as singularidades e reconhece o valor de cada um, mas também se orienta à constituição de um corpo de profissionais que com o empenho próprio estarão em condições de alcançar a felicidade pessoal, sem descurar que essa é impossível se não puder contribuir para melhorar a vida de todos, especialmente dos que não puderam beneficiar-se do privilégio de estudar em uma universidade pública de ponta.
Encerro minha longa fala lembrando Eduardo Galeano e um ditado, que segundo ele, tem origem africana:
"Nós não herdamos a terra de nossos pais, mas a pegamos de empréstimo de nossos filhos. Cabe, pois, devolvê-la melhor." 
Tenho certeza de que vocês encontrarão a realização pessoal e profissional nas carreiras jurídicas e acredito que assim também saberão devolver "uma terra melhor" aos que confiaram em sua formação em uma universidade pública, na UFRJ e na FND.
Parabéns!

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