terça-feira, 29 de março de 2011

Provas e as perícias na fase de investigação criminal.

Uma estimada aluna da FND (UFRJ) dividiu comigo dúvida acerca do entendimento divergente sobre se as perícias no processo penal, realizadas na fase preliminar (investigação criminal), configuram (ou não) provas.
Segue a minha resposta, que divulgo no blog porque pode ser útil a um público ainda mais amplo.

"Cara Ana Beatriz, aí vai:


Bem, a posição defendida pelo estimado professor de Medicina Legal é a que tradicionalmente encontra guarida em nossa doutrina.

A rigor, mesmo juristas como Ada Grinover trabalham com a categoria das "provas irrepetíveis", como são (ou seriam?) os vestígios de um fato penalmente relevante, que devem ser "traduzidos" pelos peritos para serem compreendidos, posteriormente, no processo, pelas partes e pelo juiz.

Assim, um cadáver deve ser imediatamente examinado pelo perito, para que seja determinada a causa da morte e dessa maneira verificado o (eventual) nexo de causalidade com a conduta atribuída a outrem, quiçá suspeito ou indiciado.

Para obviar as dificuldades geradas pela exigência constitucional do contraditório, a doutrina tradicional opera com a categoria do contraditório diferido ou postergado. Em outras palavras: os vestígios são examinados imediatamente, com independência da intervenção do suspeito/indiciado, e posteriormente, no processo, a Defesa poderá opor suas questões ao laudo, concluindo-se o contraditório nesta etapa.

A segurança dessa forma de "constituição das provas" viria por intermédio do caráter oficial (estatal) da perícia, em tese realizada por peritos que estão vinculados ao dever de imparcialidade tanto quanto os juízes.

Malgrado entenda frágil a construção jurídica tradicional, o certo é que ela está de tal modo entranhada na representação mental dos profissionais do direito, na atualidade, e consagrada pelos tribunais superiores (signo de autoridade), que é raro encontrar na doutrina quem diga que "o Rei está nu"!

Mas está!

Com efeito, toda e qualquer informação colhida sem o contraditório é mera informação, nunca prova (art. 5º, inc. LV, da CR) e não há alquimia possível que mude isso.

Adotando-se o sistema processual que lastreia em provas a condenação, a correção parcial expressa na nova redação do art. 155 do CPP (Lei 11.690/08) sacramenta a necessidade do contraditório para que elementos informativos sejam convertidos em provas.

Por isso, o cadáver É um elemento informativo no momento em que os peritos tem acesso a ele (a perícia configura técnica de acesso aos meios de prova, como a interceptação telefônica, a busca e apreensão etc.).

Não há como deixar de periciá-lo (o cadáver) imediatamente. Isso, todavia, não muda a natureza da atividade desenvolvida, tampouco seu fim: suportar a denúncia ou queixa, oferecendo justa causa à ação penal. E apenas isso.

A constituição em prova dependerá da intervenção posterior da Defesa, que, claro, em princípio, atuará sobre o laudo, mas poderá, igualmente, dependendo das circunstâncias, operar sobre o cadáver (exumação), as drogas ("contraprova") ou quaisquer outros vestígios. Trata-se de garantia da Defesa, que pouquíssimos defensores aplicam na prática, mas que está alicerçada no já referido mandamento constitucional.

Como o sistema é um "sistema", as categorias estão articuladas. Essa é a razão de você ver peritos depondo em juízo, sob o crivo do contraditório, em processos, no modelo acusatório vigente em outros países, independentemente do laudo que apresentaram e cuja função consistiu em apoiar o início do processo, conferindo justa causa ("causa provável") à ação penal, como dito.

A oralidade, por sua vez, consiste no modo de constituição das provas, porque é na audiência (sessão de julgamento), sob o crivo do contraditório, que todas elas se formam no processo penal.

Até aqui a divergência pode parecer mera filigrana jurídica... mas não é.

Com efeito, a consideração probatória de determinados meios justifica (e autoriza) a intervenção de assistentes técnicos ainda na fase da investigação criminal (inquérito policial, por exemplo), assim como a inquirição em juízo dos peritos oficiais, cuja qualidade, isoladamente, não importa em conferir-lhes FÉ PÚBLICA, dispensando-se a crítica acerca do exame que realizaram.

Por este ângulo compreende-se a intervenção de assistentes técnicos, mencionada no (relativamente) novo §3º do art. 159 do CPP e a disposição do inc. I, do §5º, do mesmo preceito dispositivo, todos com redação da lei de 2008. E também a concomitante aprovação da Lei nº 11.719/08, que modificou os procedimentos penais e, pelo caminho da oralidade, assegurou a identidade física do juiz (art. 399, §2º, do CPP).

Há, portanto, algo novo no ar, todavia somente novas práticas processuais conseguirão afastar a antiga mentalidade.

Em linhas gerais é isso.

Cordialmente,

Geraldo Prado"

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