No recenseamento das atividades judiciais, que levo a cabo para fins acadêmicos, sem dúvida que lidar com as tensões daqueles dias de pressão pela incriminação de adolescentes revela-se, retrospectivamente, um dos momentos de definição de minha trajetória pessoal.
Fica o registro.
Manipulação
GERALDO PRADO
Ao Estatuto da Criança e do Adolescente comumente tem se atribuído
muitas virtudes e pecados. Porém, nesta semana, a maior autoridade da área de
segurança pública do Rio de Janeiro, responsável por garantir a ordem pública
em todo o estado, reacendeu a polêmica e, talvez sem querer, incluiu na
discussão até a própria Constituição, ao "acusar" a legislação atual
de incentivadora da delinqüência juvenil.
Mais grave que a proposta de se alterar o artigo 228 da
Constituição e a filosofia criminalizante que a inspira sem dúvida está,
segundo creio, o objetivo de manipulação dos meios de informação, e através deles
da opinião pública, no sentido de difundir duas idéias igualmente graves: a
primeira delas consiste em se fazer crer que o Estado tem feito tudo a seu
alcance e, apesar disso, não consegue debelar a séria questão da criminalidade
de adolescentes; e, como conseqüência, que somente endurecendo o tratamento
dispensado aos jovens em conflito com a lei seria possível obter-se resultados
mais significativos.
Só quem não conhece as instituições de atendimento a adolescentes
infratores tem condições de acreditar que os atuais esforços do Governo ao qual
pertence o ilustre secretário são suficientes para dotar o Rio de Janeiro de
uma estrutura adequada, capaz de realizar profundas inserções junto às famílias
dos adolescentes processados e assim criar condições de impedimento da
reincidência.
Hoje, pelo contrário, o Instituto Padre Severino, a Escola João
Luiz Alves e os Criams - herdados, sublinhe-se, do Governo Federal - estão muito
aquém das condições ideais de funcionamento, sendo alvos de constante
fiscalização judicial. É razoável supor que se as instituições do Governo a que
pertence o secretário funcionassem corretamente, a repetição de crimes de
adolescentes, quase sempre determinada pelos desajustes familiares, a ausência
de atendimento nas redes de saúde e ensino, além da precária oferta de
trabalho, seria bem menor que a aquela hoje verificada.
Todavia, apesar da quase falência da rede atual, é importante que
se saiba que no Rio de Janeiro não mais de 300 jovens estão internados, contra
cerca de 15 mil adultos presos, com a manifesta vantagem de, ao custo do
esforço ainda muito grande de diversos militantes, alguns, funcionários das
instituições do estado, termos números reduzidíssimos de reincidência, quase
sempre relacionados a poucos adolescentes - justamente aqueles que sempre são
vistos em determinadas áreas, cometendo infrações.
Vale a pena destacar que na adolescência a descoberta do mundo e a
crença no "poder invencível da juventude" contribuem para levar
nossos jovens a praticar atos dos quais, mais tarde, maduros, irão se
arrepender.
Para estes jovens, de todas as classes sociais, autores, na
maioria das vezes, de atos de escassa gravidade, a proposta que se quer
ressuscitar consiste em marcá-los definitivamente com o estigma do processo
criminal, no lugar de orientá-los e provar que nós, adultos, somos razoáveis e
decidimos as graves questões sociais com serenidade, deixando a paixão envolver
apenas o mais belo sentimento cristão, de amor ao próximo.
GERALDO
PRADO é juiz titular da 2
Vara da Infância e Adolescência.